Repensando o estupro de vulnerável: quando a verdade incomoda o sistema penal

Artigo discute a necessidade de revisão do tratamento judicial ao estupro de vulnerável, enfatizando a importância de ouvir a verdade das vítimas durante o processo legal.

Repensando o estupro de vulnerável: quando a verdade incomoda o sistema penal

O sistema de justiça criminal brasileiro enfrenta desafios no tratamento do crime de estupro de vulnerável, conforme descrito no art. 217-A do Código Penal. O texto legal estabelece que é considerado crime a conjunção carnal ou a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, independente da presença de violência ou ameaça. A pena é severa, mas casos recentes revelam um preocupante fenômeno em que vítimas retratam suas acusações durante a instrução processual.

Em três casos que acompanhei, adolescentes, que inicialmente se declararam vítimas, confessaram espontaneamente que mentiram, com o apoio de suas mães. Apesar dessas retratações formais, o Judiciário frequentemente persiste na acusação, optando por manter condenações baseadas em formalismos.

A gravidade dos crimes contra a dignidade sexual não deve ser relativizada, mas é vital valorizar a verdade e a análise concreta dos fatos. O conceito de vulnerabilidade precisa seguir um entendimento maduro, levando em consideração as retratações das supostas vítimas.

Alegações de mentiras por parte de jovens, que podem ser motivadas por diversas pressões familiares ou sociais, não devem ser ignoradas. A condenação de um pai ou mãe com base em acusações que a própria vítima posteriormente nega coloca em xeque a justiça e a dignidade humana. A separação entre pais e filhos, provocada por um sistema que não ouve a verdade, representa uma pena perpétua para aqueles que desejam a reaproximação.

É fundamental que o Direito Penal evite a automatização da culpa. A tipicidade formal não deve obscurecer a análise da tipicidade material. A confissão de um erro por parte da suposta vítima precisa ser considerada, assim como o impacto emocional dessas decisões na vida familiar.

Proteger a infância e juventude não pode significar descartar a verdade. A escuta especializada deve servir para esclarecer os fatos ao invés de apenas validar acusações. Ignorar essas retratações é abdicar do compromisso com a justiça.

Este artigo alerta para a necessidade de um sistema de justiça que enfrente esses desafios com coragem. O contraditório, a ampla defesa e a presunção de inocência são pilares do Estado de Direito que devem ser respeitados, evitando condenações baseadas em erros que prejudicam toda uma família.

Devemos garantir que a maior proteção do Juizado da Infância e Juventude considere o interesse superior do menor, que inclui o direito de se retratar. A condenação de um adulto baseada em uma mentira, que é posteriormente reconhecida, causa danos irreparáveis e fere o princípio da dignidade humana. A justiça deve ser um reflexo da verdade, promovendo a reaproximação e o perdão, e não perpetuando penas que desestruturam famílias.